Instigados pela memória utópica de figuras proféticas como Dom Antônio Batista Fragoso – que há seis anos foi chamado a fazer sua páscoa, e que segue densamente presente entre nós pela sua história e pelo seu legado –, somos convidados a revisitar o Concílio Vaticano II, ao comemorarmos, em outubro vindouro, cinqüenta anos de sua abertura. A convocação do Vaticano II foi expressão da bem-aventurada ousadia do “bom Papa João”, um octogenário herdeiro da melhor tradição joelina (cf. Jl 3), aberto e solícito aos apelos do Espírito Santo, de renovação eclesial, na perspectiva do Seguimento de Jesus.
Respirava-se, então (final dos anos 50 e inícios dos anos 60), uma atmosfera de ambigüidade: por um lado, um crescente descontentamento com os rumos e métodos seguidos, então, pela Igreja Católica Romana, desde a realização do Concílio Vaticano I, que, além de ter sido interrompido, havia desencadeado uma onda de anátemas e de distanciamento da vida dos povos, em especial do povo dos pobres. À parte alguns avanços como os propiciados por iniciativas como as suscitadas pelas encíclicas sociais de Leão XIII e de Pio XI, o mesmo clima já não se podia dizer em relação ao período do pontificado de Pio XII, durante o qual foi interrompida a fecunda experiência missionária dos Padres Operários, cuja presença profética entre os trabalhadores já acenava para mudanças significativas – inclusive no caso do uso do vernáculo na liturgia celebrada entre os operários -, décadas antes do Vaticano II.
Subia, por conseguinte, um intenso clamor a reivindicar, de modo cada vez mais intenso, profunda renovação na Igreja Católica. Clamor que vinha tanto de forças internas à Igreja, quanto de forças de fora da mesma. Também quanto à situação dos padres operários, o Papa João XXIII dá prova de notável sensibilidade, ao chamá-los ao diálogo e ao se lhes mostrar reconhecido e solidário pelas suas atividades missionárias junto ao mundo do trabalho. Quanta alegria para tantos, inclusive para Dom Fragoso!
No plano histórico-conjuntral de então, começava a avançar, na África, o processo de descolonização. Sucessivos países africanos, inclusive os que tinham o Português como uma de suas línguas, batiam-se com determinação, pela sua independência do jugo das metrópoles colonialistas européias. A invasão imperialista dos Estados Unidos ao Vietnam, em sangrentos combates com milhares de vítimas, provocava uma onda de indignação, em todo o mundo. Na América Latina, acompanhava-se, com vivo interesse, a recente eclosão da Revolução Cubana (1959), a inspirar iniciativas de mudança social. No mundo europeu, vigiam episódios ligados à famigerada guerra fria, retemperada pela corrida espacial, desde 1957, enquanto, ao interno da Igreja Católica, respirava-se um certo ar de pessimismo quanto aos rumos da própria Igreja, ante sua atitude de isolamento e mera hostilidade, sem disposição de dialogar acerca de velhos e novos desafios, a exemplo do avanço do secularismo.
No Brasil, passava-se do entusiasmo progressista, característico do período do Governo Juscelino Kubitschek para um período, já no Governo João Goulart, de crescentes mobilizações camponesas e operárias por reformas estruturantes (as famosas “reformas de base”), a provocarem o esboço de reação por parte dos segmentos de direita, dentre os quais o de expressão católica (em torno do Movimento Tradição, Família e Propriedade, a ultra-reacionária TFP, com suas marchas espetaculares…), com iniciativas como a famigerada Marcha da Família pela Liberdade que acabaria por ajudar a prosperar as estratégias e o desfecho do Golpe Empresarial-Militar de 1º de Abril de 1964.
Tal era a capacidade de mobilização e de influência das forças de direita, inclusive sobre figuras do episcopado brasileiro, que o Golpe contou, pelo menos nos inícios, com as bênçãos e a simpatia de parcelas consideráveis do episcopado brasileiro. Poucas as exceções das vozes proféticas, entre elas a de Dom Valdir Calheiros e a Dom Fragoso! Época em que também se produzem, no plano eclesial brasileiro, dois acontcimentos marcantes pela força de seus protagonistas: a nomeação de Dom Helder como Arcebispo de Olinda e Recife e a nomeação de Dom Fragoso para a Diocese de Crateús. Dois momentos carregados de promessas frutuosas, que depois se confirmariam densamente.
Em meio a esse complexo cenário mundial, é que se dá a convocação, pelo Papa João XXIII – que mal havia sido eleito e investido como sucessor de Pio XII –, do Concílio Vaticano II, no início de 1959. Convocação que toma de surpresa todo o mundo. Mesmo os mais atentos observadores. O Papa João XXIII foi eleito já em idade avançada, o que para não poucos era um sinal de que se tratava de um papa, cujo pontificado teria como tarefa conduzir os preparativos de uma transição, não a de convocar um Concílio. Sinal de alegria e de esperança para tantos e tantas, dentro e fora da Igreja. Motivo de desapontamento e desconfiança para os segmentos conservadores, notadamente para os chefes da Cúria Romana…
Nessa época, Dom Fragoso era um jovem bispo (tinha em torno de 40 anos). Era, desde 1957, bispo auxiliar da Arquidiocese de São Luiz, no Maranhão, na companhia fraterna do então arcebispo Dom José Delgado. Desde recém-ordenado presbítero, em João Pessoa, em meados dos anos 40, Dom Fragoso já acompanhava, com entusiasmo contagiante, a caminhada da JOC (Juventude Operária Católica), a cujos protagonistas – a começar de sua referência maior, o padre belga Joseph Cardijn, de quem se tornaria amigo – ele atribuía terem sido o instrumento principal de sua profunda mudança – teológica, pastoral, política… Antes de ser ordenado bispo (1957), já atuava como Assessor Regional da JOC, no Nordeste. Como bispo auxiliar de Dom José Delgado, passou a ocupar-se, a convite do arcebispo, da criação da Universidade Católica, não com o mesmo entusiasmo de sua atuação como Assessor da JOC.
A convocação do Concílio Vaticano II (em 1959) e sua abertura (em 1962) despertaram nele e em vários colegas do episcopado – em especial os que, a exemplo de Dom Helder, Dom José Távora (Aracaju), também atuavam na JOC, um vivo interesse e renovada esperança. A participarem do Concílio eram convocados os bispos diocesanos. Os bispos auxiliares até podiam participar das sessões do Vaticano II, desde que com a permissão dos respectivos bispos diocesanos. Foi o que aconteceu também a Dom Fragoso. Pelo reconhecimento e pelo respeito que ele gozava da parte do então Arcebispo de São Luiz, Dom José Delgado, este teve a felicidade de estimular Dom Fragoso a também participar das sessões do Vaticano II. Uma oportunidade que ele acolhe, de forma entusástica: “Contato com o episcopado do mundo – eu não tinha quase nenhum. Eu era formado no Seminário da Paraíba. Aqui eu estudei e me formei, e nunca participei de nunuma universidade da Europa ou do mundo. Eu não tinha contato com grandes encontros, com grandes reuniões. E, desse modo, eu era meio encabulado, meio inseguro. Não sabia como me relacionar com os bispos. Mas, um Grupo de bispos já estava muito formado pelo Papa João XXIII, pela abertura que ele tinha pelos pobres, e pela decisão dele, de convocar um Concílio, não para fazer teses e documentos, mas para apresentar ao mundo um novo rosto de Igreja, que seja o rosto dos pobres.” (Entrevista de 23/05/2006, in Profeta dos Pobres: Dom Fragoso nos fala, p. 24).
Não é por acaso que Dom Fragoso externava tanta alegria em relação ao Concílio, ao Papa João XXIII e, sobretudo, em relação ao famoso Grupo do Colégio Belga, onde, após as sessões conciliares, costumavam reunir-se algumas dezenas de bispos progressistas, mais comprometidos com a causa dos pobres. Referindo se à atitude de Dom José Delgado, de estimulá-lo a participar do Concìlio Vaticano II, na condição de bispo auxiliar, conta-nos Dom Fragoso: “Esse gesto dele fez com que eu começasse a me reunir, nos fins das sessões, no Colégio Belga, com um Grupo – uns trinta e nove ou quarenta ou quarenta e poucos bispos, arcebispos, cardeais -, onde nós discutíamos uma tese que para nós era fundamental. (…) o mesmo Jesus que disse um dia: “Ide aos que passam fome, aos que estão presos, aos que são exilados.” Esses são Jesus: “O que fizerdes a eles, é a Mim que fazeis. Esta identidade que Jesus afirmou não foi aprofundada, e se resumia muito a uma defesa dos pobres, arrumando trabalho e dando esmola para eles, , com obras sociais, assistencialismo de Igreja, , um certo paternalismo e maternalismo de Igreja. Então, essa idéia foi modificada bastante com o trabalho da Juventude Operária Católica que mudou toda a minha formação teológica, toda a minha visão das coisas, e me deu o sentido dos pobres como aqueles que constroem o seu futuro.” (ib., pp. 24-25).
Durante as sessões do Concílio, em Roma, o forte desse Grupo não residia na participação de seus membros nas aulas conciliares, ambiente que favorecia sobremaneira um restrito grupo seleto de cardeais e bispos com o domínio do Latim, única língua permitida naquelas intervenções. A eficácia daquele Grupo, de que também fazia parte Dom Fragoso (o que costumava reunir-se no Colégio Belga) se verificava, sobretudo, pela sua capacidade de intervenção nos bastidores, dialogando diretamente com a base votante nos processos deliberativos. Para tanto, tratavam de manter-se coesos e assíduos às reuniões no Colégio Belga, onde promoviam freqüentes debates sobre temas candentes (conforme a pauta conciliar), para o que convidavam peritos de de reconhecida contribuição na produção teológica, na perspectiva dos pobres.
A esses debates Dom Fragoso e alguns outros bispos, de diferentes partes do mundo, inclusive alguns brasileiros, eram assíduos. Tratava-se de reuniões fecundas, em que eram compartilhadas inquietações múltiplas, experienciadas pelos membros daquele Grupo. Em primeiro lugar, eram compartilhadas inquietações relativas aos temas pautados pelo Concílio, cujo diferencial se dava na ótica sob a qual eles refletiam conjuntamente esses temas: o olhar dos pobres. Era um Grupo composto por bispos e outros membros apaixonados pela causa dos pobres, sempre empenhados em que o Concílio Vaticano II se constituísse numa oportunidade rara, na história da Igreja, de que esta faça a experiência de uma “Igreja pobre e servidora” (alusão, aliás, a um dos livros do teólogo Yves Congar).
As sementes aí semeadas iam, pouco a pouco e de forma molecular, surtindo efeito. Os trabalhos de articulação extrapolavam os espaços do Colégio Belga. Estendiam-se a outros ambientes, a outros círculos. Inclusive os meios de comunicação de então. Canais de rádio, jornais, revistas, até a televisão passavam a repercutir vozes também desses protagonistas. Basta lembrar o que vários desses veículos repercutiam dessas vozes proféticas. Tal a dimensão internacional alcança por algumas dessas figuras, que não era por acaso que Dom Helder se tenha tornado uma figura tão apreciada pelo mundo inteiro, a ponto de a Ditadura Empresarial-Militar no Brasil ter proibido à imprensa nacional, de veicular seu nome…
A propósito de Dom Fragoso, por exemplo, ainda me lembro de uma revista daquela época – Informations Catholiques dans le Monde -, em cuja capa figurava a foto de Dom Fragoso, entrevistado acerca dos tenebrosos frutos da ditadura no Brasil, e abaixo, o indicativo: “Subvesifs sont eux”, numa alusão aos golpistas que haviam – eles, sim – subvertido a ordem constitucional brasileira, julgando-se no “direito” de cassar, prender, torturar, fazer desaparecer, banir as lideranças que foram vítimas dessa ditadura, acusando-as de “subversivos”…
A ação desse Grupo também teve ressonância nos processos deliberativos do Concílio. Isto pode ser conferido, também, na redação final de alguns documentos, a exemplo da Gaudium et Spes (sibre a Igreja no mundo de hoje), cujas primeiras palavras são: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo, e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco em seu coração.” (GS, n. 1).
Também, em diversos outros documentos. Tornou-se célebre, por ex., um trecho do n. 8 da Constituição Lumen Gentium (sobre a Igreja), atestando o compromisso com os pobres, nos seguintes termos: “Mas, assim como Cristo realizou a obra da redenção na pobreza e na perseguição, assim a Igreja é chamada a seguir pelo mesmo caminho para comunicar aos homens os frutos da salvação. Cristo Jesus que era de condição divina… despojou-se de si próprio, tomando a condição de escravo (Fl 2, 6-7) e por nós “sendo rico fez-se pobre (2 Cor 8,9), assim também a Igreja: embora necessite dos meios humanos para o prosseguimento da sua missão, não foi constituída para alcançar a glória terrestre, mas para divulgar a humildade e abnegação também com o seu exemplo. Cristo foi enviado pelo Pai “a evangelizar os pobres, a sarar os contritos de coração (Lc 4, 18)” (LG, n. 8).
Algo semelhante também se observa em outros documentos conciliares, ainda de modo molecular, fazendo aparecer o tom mais socialmente comprometido dos membros daquele Grupo. Este alcança, ao final da última sessão do Concílio Vaticano II, seu momento mais emblemático, na expressão de seu compromisso com a causa dos pobres, para além do Concílio. Referimo-nos à assinatura de um documento mais conhecido como “Pacto das Catacumbas”, cujo teor vale a pena revisitar, até em memória de Dom Fragoso:
O Pacto da Igreja Serva e Pobre
NO DIA 16 DE NOVEMBRO de 1965 cêrca de 40 Padres Conciliares concelebraram o Santo Sacrifício Eucarístico nas catacumbas de Santa Domitila, para obterem a graça de serem plenamente fiéis ao Espírito de Jesus “que vos consagrou e vos enviou para evangelizardes os pobres” (Lc 4, 18).Nesta ocasião alguns (não se conhece o número exato) Bispos adotram as seguintes resoluções:
Nós, Bispos, reunidos no Concílio Vaticano II, esclarecidos sôbre as deficiências de nossa vida de pobreza segundo o Evangelho; incentivados uns pelos outros, numa iniciativa em que cada um de nós quereria evitar a singularidade e a presunção, unidos a todos os irmãos no Episcopado; contando sobretudo com a graça e com a fôrça de Nosso Senhor Jesus Cristo, com a oração dos fiéis e dos sacerdotes de nossas respectivas dioceses; colocando-nos, pelo pensamento e pela oração, diante da Trindade, diante da Igreja de Cristo e diante dos sacerdotes e dos fiéis de nossas dioceses, na humildade e na consciência de n ossa fraqueza, mas também com toda a determinação e tôda a fôrça de que Deus nos quer dar a graça, comprometemo-nos ao que segue:
1) Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue. Cf. Mt 5,3; 6, 33-34; 8, 20.
2) Para sempre renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje (fazendas ricas, côres berrantes), nas insígnias de matéria preciosa (devem esses signos ser, com efeito, evangélicos). Cf. Mc 6,9; Mt 10, 9-10; At 3, 6. Nem ouro nem prata.
3) Não possuiremos nem móveis, nem imóveis, nem conta em banco, etc., em nosso próprio nome; e, se fôr preciso possuir, poremos tudo no nome da diocese ou das obras sociais ou caritativas. Cf. Mt 6, 19-21; Lc 12, 33-34.
4) Cada vez que fôr possível, confiaremos a gestão financeira e material em nossa diocese a uma comissão de leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico, em mira a sermos menos administradores do que pastôres e apóstolos. Cf. Mt 10, 8; At 6, 1-7.
5) Recusamos ser chamados, oralmente ou por escrito, com nomes e títulos que signifiquem a grandeza e o poder (Eminência, Excelência, Monsenhor…). Preferimos ser chamados com o nome evangélico de Padre. Cf. Mt 20, 25-28; 23, 6-11; Jo 13, 12-15.
6) No nosso comportamento, nas nossas relações sociais, evitaremos aquilo que pode parecer conferir privilégios, prioridades ou mesmo uma preferência qualquer aos ricos e aos poderosos (ex.: banquetes oferecidos ou aceitos, classes, nos serviços religiosos). Cf. Lc 13, 12-14; 1 Cor 9, 14-19.
7) Do mesmo modo, evitaremos incentivar ou lisonjear a vaidade de quem quer que seja, com vistas a recompensar ou a solicitar dádivas, ou qualquer outra razão. Convidaremos nossos fiéis a considerarem as suas dádivas como uma participação normal no culto, no apostolado e na ação social. Cf. Mt 6, 2-4; Luc 15, 9-13; 2 Cor 12, 4.
8) Daremos tudo o que for necessário de nosso tempo, reflexão, coração, meios, etc., ao serviço apostólico e pastoral das pessoas e dos grupos laboriosos e economicamente fracos e subdesenvolvidos, sem que isso prejudique a outras pessoas e grupos da diocese. Ampararemos os leigos, religiosos, diáconos ou sacerdotes que o Senhor chama a evangelizarem os pobres e os operários compartilhando a vida operária e o trabalho. Cf. Lc 4, 18-19; Mc 6, 4; Mt 11, 4-5; At 18, 3-4; 20, 33-35; 1 Cor 4, 12 e 9, 1-27.
9) Cônscios das exigências da justiça e da caridade, e das suas relações mútuas, procuraremos transformar as obras de “benficência” em obras sociais baseadas na caridade e na justiça, que levam em conta todos e todas as exigências, como um humilde serviço dos organismos públicos competentes. Cf. Mt 25, 31-46; Lc 13, 12-14 e 33-34.
10) Poremos tudo em obra para os responsáveis pelo nosso govêrno e nossos serviços públicos decidam e ponham em prática as leis, as estruturas e as instituições sociais necessárias à justiça, à igualdade e ao desenvolvimento harmônico e total do homem todo em todos os homens, e, por aí, ao advento de uma outra ordem social, nova, digna dos filhos do homem e dos filhos de Deus. Cf. At 2, 44-45; 4, 32-35; 5, 4; 2 Cor 8 e 9 inteiros; 1 Tim 5,’16.
11) Achando a colegialidade dos bispos sua realização a mais evangélica na assunção do encargo comum das massas humanas em estado de miséria física, cultural e moral – dois terços da humanidade – comprometemo-nos:
– a participarmos, conforme nossos meios, dos investimentos urgentes dos episcopados das nações pobres;
– a requerermos junto aos planos dos organismos internacionais, mas testemunhando o Evangelho, como o fez o Papa Paulo VI na ONU, a adoção de estruturas econômicas e culturais que não mais fabriquem nações proletárias num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas pobres saírem de sua miséria.
12) Comprometemo-nos a partilhar, na caridade pastoral, nossa vida com nossos irmãos em Cristo, sacerdotes, religiosos e leigos, para que nosso ministério constitua um verdadeiro serviço; assim: – esforçar-nos-emos para “revisar nossa vida” com êles; – suscitaremos colaboradores para serem mais uns animadores segundo o Espírito, do que uns chefes segundo o mundo; – procuraremos ser o mais humanamente presentes, acolhedores…; – mostrar-nos-emos abertos a todos, seja qual fôr a sua religião. Cf. Mc 8, 34-35; At 6, 1-7; 1 Tim 3, 8-10.
13) Tornados às nossas dioceses respectivas, daremos a conhecer aos nossos diocesanos a nossa resolução, rogando-lhes ajudar-nos com sua compreensão, seu concurso e suas preces.
AJUDE-NOS DEUS A SERMOS FIÉIS.
(Extraído de KLOPPENBURG, Pe. Frei Boaventura. Vaticano II, Petrópolis: Vozes, 1966, vol. V, Quarta Sessão – Set.- Dez. 1965), pp. 526-528.)
Tanto os esforços levemente exitosos, durante o Concílio, quanto os propósitos mais expressamente firmados no “Pacto das Catacumbas” somente no imediato pós-Concílio é que logram um eco mais conseqüente, sobretudo na Conferência Episcopal Latino-Americana de Medellín, em 1968, a partir da clara decisão daquela Conferência pela “opção pelos pobres”. A mesma que os signatários do “Pacto das Catacumbas” já procuravam fazer, antes mesmo do encerramento do Concílio, em suas comunidades diocesanas. Caso bem claro, por exemplo, do que Dom Fragoso e as Comunidades Eclesiais de Base já testemunhavam em Crateús e em outros lugares. Experiências, no que concerne à Igreja de Crateús, já estudadas e publicadas, em outras ocasiões.
Ao final dessas linhas, parece conveniente perguntar-nos: que aprendizados mais tocantes Dom Fragoso recolheu desde suas experiências de participação no Concílio Vaticano II, sobretudo graças às relações vividas com os colegas bispos e arcebispos (entre os quais, o cardeal Lercaro), padres da Fraternidade Jesus Caridade (ramo dos Irmãozinhos de Charles de Foucauld), com casais como o Pe. Paul Gauthier e sua esposa Marie Thérèse, com leigos, com cristãos de outras Igrejas, como os da Comunidade de Taizé (a exemplo de Roger Schütz), com os demais membros do Grupo de umas quarenta pessoas, signatárias, ao final do Concílio, do conhecido Pacto das Catacumbas?
Com efeito, dessas experiências conciliares, Dom Fragoso recolheu aprendizados, em diferentes esferas. Destaquemos algumas.
Comecemos por sublinhar seu aprendizado no campo de uma espiritualidade incarnada. É o próprio Dom Fragoso quem destaca a importância dessas iniciativas, ao reportar-se ao Grupo que se reunia no Colégio Belga: “Depois, esse Grupo me fez aprofundar essa espiritualidade fundamental que é a de Jesus nos pobres. E mais ainda: me fez perceber que não se chega primeiro a Jesus, mas primeiro aos pobres. Isto é: aquele que ama os pequeninos, os pobres, esse ama a Jesus.” (ib., p. 25).
Bebendo dessa fonte, os signatários do “Pacto das Catacumbas”, também Dom Fragoso, passam a empenhar-se, então, na implementação desse legado que transcendia o alcance do Concílio Vaticano II, à vista da realidade concreta da América Latina, com uma Igreja com rostos singulares do povo dos pobres. E não o fizeram apenas por palavras ou prédicas, mas cuidavam, antes, de viver o que pregavam. Daí seu compromisso com um estilo sóbrio de vida, de modo a traduzir seu propósito de estarem mais próximos do povo dos pobres.
Bebendo dessa fonte, cuidaram igualmente de exercitar a colegialidade. No caso de Dom Fragoso e alguns outros, tão a sério tratavam de viver a colegialidade, que a estendiam igualmente a outros espaços que não apenas as instâncias episcopais. Assim agia também em relação às instâncias diocesanas de deliberação, preferindo que sua voz tivesse um peso decisório igual ao de qualquer outro delegado ou delegada participante da Assembléia.
Bebendo da mesma fonte, cuidou de exercitar, de modo conseqüente, sua condição de cidadãos, corresponsável, também nesse plano, pela sorte de seu rebanho. E justamente numa conjuntura mais complicada – a de uma tenebrosa ditadura militar, com terríveis incidências sobre parcelas significativas do seu rebanho. De fato, na Diocese de Crateús, como em outras do Brasil, não foram poucas as pessoas ligadas a diferentes atividades pastorais que resultaram vítimas da mão pesada da Ditadura. Como poderia um bispo do perfil de um Dom Fragoso, de um Dom Helder, de um Dom Paulo Evaristo Arns, de um Dom José Maria Pires e tantos outros, não tomar para si as dores de seus irmãos e irmãs perseguidos?
Justamente por beber dessa fonte, uma figura como a de Dom Fragoso não se limitava a defender as vítimas da Ditadura, fossem elas ou não agentes pastorais, mas empenhava-se vivamente na formação permanente de cristãos e cidadãos que assumissem conscientemente e com liberdade sua dimensão de protagonistas, em busca da construção de uma nova sociedade. Quem viveu ou quem se der ao trabalho de pesquisar o percurso pastoral da Diocese de Crateús, entre 1964 e 1998, há de deparar-se com sinais vivos da ação profética por parte de diferentes grupos e pessoas daquela Diocese, animadoras e animadores de CEBs, militantes sindicais, membros de comunidades de religiosas inseridas no meio popular, em diferentes pastorais sociais, entre outras.
Sublinhamos aqui, de passagem, apenas alguns poucos aspectos da complexa e vasta atuação de Dom Fragoso, em sua ação missionária junto ao povo dos pobres de Crateús, à luz do Seguimento de Jesus, caminho fortalecido por sua entusiástica participação como Assessor da JOC, como participante do Concílio Vaticano II e das Conferências Episcopais de Medellín e Puebla, por meio de sua práxis pastoral junto ao seu povo, fazendo jus, a cada momento, do lema que escolheu como inspiração em João 10, 16, para o exercício do seu ministério: “Illas oportet adducere” (“É preciso que eu vá em busca das outras ovelhas”).
Fazer memória dos 50 anos do Vaticano II e da presença profética, nele e para além dele, de Dom Fragoso nos ajude a reacender nossa atenção ao que o Espírito nos tem a dizer, hoje, ante os desafios presentes, dentro e fora da Igreja.
João Pessoa, 8 de agosto de 2012.
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