Nossa vida social segue sendo uma complexa malha, tecida de fatos, situações, acontecimentos, em profusão, do âmbito internacional ao local, a nos desafiar, incessantemente. Complexidade que pode assemelhar-se às manifestações de uma enorme biodiversidade, inclusive de árvores de todo tipo, e podendo servir para os mais distintos fins. Em semelhante clima, são consideráveis as chances de confusão, com graves consequências. Diante de cenários protagonizados por forças antagônicas, há quem interesse “vender” veneno como se fora remédio… Importa ter critérios que balizem as escolhas. Não é a sedutora embalagem do “remédio”, a ser tomada como critério de verdade; mas, antes, a qualidade do fruto dessa ou daquela árvore…
Num exacerbado contexto de enfrentamento de projetos antagônicos de sociedade, importa manter-nos atentos às astúcias dos setores dominantes, para quem deve prevalecer a insânia dos argumentos de força, a sobrepujar a arma da crítica: aqui abundam os casos ilustrativos, recentes e menos recentes (a exemplo do massacre do Afeganistão, do Iraque, da “libertação” da Líbia, das esdrúxulas relações Israel-Palestina, dentre tantos outros… Aqui a razão da força segue soberana. Mas, até quando?
Nos Estados Unidos e na Europa, regiões duramente impactadas pela crise devastadora, os respectivos governos, em aliança com o grande capital, seguem fazendo valer os interesses do Mercado, à revelia e contra imensas maiorias de Trabalhadores e Trabalhadoras em situação de desespero. Na Mãe-África, o conluio Estado e Mercado segue a infelicitar parcelas crescentes das populações, reféns das manobras e da exploração devastadora praticadas contra a Natureza e contra as maiorias daquelas Gentes, a verem suas riquezas cada vez mais depredadas pela avidez de lucro e dos necrófilos projetos das forças dominantes. Na América Latina e no Caribe, gemem territórios e populações, sob as patas do mesmo império. Até quando?
No âmbito nacional, não menos desafiadoras são a sucessão de ocorrências graves, de um lado, e, de outro, a forma de enfrenta-las. Quanto à interminável sucessão, podemos observar: crescente agressão ao Planeta (os famigerados megaprojetos, inclusive os relativos à Transposição de águas do rio São Francisco, as hidrelétricas, como a de Belo Monte, e usinas nucleares, os procedimentos deletérios do agronegócio); os crimes contra a vida dos povos do campo, indígenas, quilombolas, das águas e das florestas, das mulheres, dos jovens, das crianças e adolescentes; criminalização dos movimentos sociais populares, não realização de reformas estruturantes (reforma agrária, demarcação e regularização das terras indígenas e quilombolas…); remanescente trabalho escravo nos albores do século XXI, tráfico de pessoas, de armas e de drogas; crescente precarização das condições de trabalho; aviltamento dos valores republicanos; desproporcional interferência negativa da mídia comercial na grade de valores de imensas parcelas da população (já havendo quem a essa mídia se refira como “meios de manipulação de massa”); os inaceitáveis índices de desigualdade social… quanta coisa mais a ressaltar como meros exemplos ilustrativos! Por outro lado, cumpre sublinhar um risco grave e desafiante: o de nos contentarmos com atacar, uma por uma, tais ocorrências, ignorando ou subestimando o potencial de seu entrelaçamento, tornando, por isso mesmo, impossível superá-las por meio de ações isoladas, no varejo. Donde a necessidade e a urgência de despertar-nos para embates que tenham bem presente a raiz dos problemas, não tanto seus efeitos…
Felizmente, importa destacar, com maior força (no plano da resistência e da esperança), os sinais de vida que têm despontado, aqui e ali, desde as “correntezas subterrâneas”. E não me refiro apenas às belas iniciativas de resistência aos megaprojetos das grandes corporações, ao agronegócio, em breve, às iniciativas de resistência contra os “malfeitos” resultantes da velha parceria Mercado-Estado, a exemplo dos que culminaram no Julgamento da Ação Penal 470, há pouco encerrado. Evoco, sobretudo, as moleculares iniciativas de caráter propositivo ou prospectivo. Iniciativas quase imperceptíveis, justamente porque não se produzem sob os holofotes da mídia comercial, não fluem nas águas de superfície. Iniciativas que, tendo caráter ora mais expressamente econômico, ora mais diretamente político ou cultural, comportam, ao mesmo tempo, significativas interfaces políticos, culturais inovadoras.
No âmbito ecológico, por exemplo, quantas experiências fecundas em curso, nos assentamentos espalhados nas unidades de produção de agricultura familiar! Quanta inventividade na área científico-tecnológica, sobretudo quando abertas e em diálogo frutuoso com a cultura de nossos ancestrais! No próprio plano formativo, temos conhecimento de coletivos de jovens organizados em movimentos e em grupos de pesquisa, de estudo, de reflexão, a gestarem o novo, a longo prazo, mas começando desde já, amparados que se sentem nos bons clássicos (sem sucumbirem ao risco de tentarem copiá-los, mas, sim, de neles se inspirarem diante do enfrentamento exitoso de velhos e novos desafios), na memória dos nossos ancestrais, no legado de figuras de referência, no cultivo de uma mística revolucionária, alimentada reiteradamente pela Utopia de um novo mundo possível e necessário… Tampouco se dá por acaso que quase todas essas experiências se produzam à revelia, à margem ou mesmo contra os políticas governamentais em curso. Veja-se, por exemplo, o caso das fecundas iniciativas de convivência com o semiárido e a ação estatal…
Mas, aqui não se cogita de algum balanço. Nessas breves linhas, trago à tona apenas três episódios recentes, seguidos de algumas indagações que me faço e compartilho, como cidadão indignado e em luta, na companhia de tantos e tantas, por um novo mundo possível e necessário: a mais recente tragédia de dezenas de execuções de crianças e adultos, nos Estados Unidos; a alardeada e pomposa campanha de emagrecimento de uma estrela do futebol, promovida por uma grande rede de televisão brasileira e uma crônica emblemática da lavra de um parlamentar de referência, no atual cenário político brasileiro.
1. O massacre de 26 pessoas (das quais 20 crianças), nos Estados Unidos
Tragédias desse tipo, por mais impactantes que sejam – e o são! – já não constituem propriamente novidade. Vêm se sucedendo nos Estados Unidos, já há algum tempo. É só conferir na imprensa das últimas décadas. A mídia divulga com o costumeiro estardalhaço, depois a coisa é esquecida, até que… O noticiário das grandes agências detém-se nos detalhes de superfície. Quando muito, se convida uma psicóloga/um psicólogo para responder a perguntas quase sempre limitadas ao comportamento do executor. Algo que se centra fundamentalmente no caráter criminoso do indivíduo, com leve e insuficiente aceno a outras interfaces.
É claro que tudo isso também tem a ver com o perfil do indivíduo. Mas, também é certo que tal indivíduo não é bem uma ilha mal sucedida num suposto oceano de pureza… Em vão se procura entender tragédias desse tipo, centrando-se a atenção apenas ou principalmente nos indivíduos. Há um dinâmico entrelaçamento de fatores em jogo, a ser tomado na devida conta, dadas suas múltiplas conexões. Aqui, gostaria de propor alguns questionamentos a esse respeito.
– Antes desse trágico massacre de Newtown, em Connecticut, quantos outros sucederam, nas últimas décadas, com características parecidas?
– Considerando-se que não se trata de caso isolado, mas de uma sucessão de ocorrências desse tipo, será mesmo no indivíduo que devemos centrar o melhor de nossa atenção?
– A julgar pelo tipo e quantidade de armas e munição encontradas em posse do jovem executor, como explicar a enorme facilidade de obtenção, guarda e uso de armas – inclusive armas de grosso calibre – por qualquer cidad(ã)o?
– Que quantidade de armas e de munição pode-se calcular sob a guarda de cada cidadão, uma parte considerável desse pessoal com perfil semelhante ao do executor?
– Como afirmar que isto seja novidade para os setores governantes e estatais, mesmo sabendo da sucessão recente de casos semelhantes?
– Tendo em vista que a indústria e o comércio de armas e de drogas constituem os setores econômicos mais lucrativos, que lugar ocupam a indústria e o comércio de armas nos Estados Unidos (e no mundo), como forças altamente condicionantes (ou determinantes?) de suas respectivas políticas econômicas?
– Que papel tais setores desempenham na eleição de seus dirigentes, antes, durante e depois dos períodos eleitorais?
– Como dissociar tal critério de política econômica de sua obsessão de guerra e invasões pelo mundo afora?
2. A alardeada e vultosa campanha de emagrecimento de uma estrela do futebol brasileiro
A despeito da necessidade de se reconhecer como positivas algumas iniciativas de programas e campanhas pontuais, organizados pela mídia comercial, há de se convir em que, via de regra, suas iniciativas obedecem às regras e à lógica de Mercado, afinal quem é que financia a mídia comercial? Dentre tais redes de televisão, como é sabido, a Rede Globo ocupa lugar privilegiado. Basta lembrar a audiência de certas de suas “jóias”, a exemplo da poderosa máquina de imbecilização que é seu famigerado BBB…
Não bastassem os critérios que orientam seu noticiário, sua programação em geral, também algumas de suas campanhas assumem esse mesmo viés. Tudo se passa em meio a um enorme investimento extraordinário em convencimento ideológico. Para tornar palatáveis programas de grande potencial destrutivo – aqui situo, mais uma vez, talvez o pior de todos, o “Big Brother”… -, a Globo lança mão de astuciosos mecanismos de propaganda e publicidade, para tudo justificar, e justificar seu pretenso perfil de campeã em cidadania… É assim que patrocina campanhas como “Criança Esperança”, chamando a população para generosas contribuições. Eis que, em meio a toda essa “generosidade cidadã”, entende de promover uma campanha, no mínimo, intrigante: a de emagrecimento de uma bem sucedida figura do futebol brasileiro, tendo que arcar com uma fortuna…
A esse respeito, reputo elucidativo o instigante questionamento feito, numa mensagem socializada pelo Prof. José Ramos, nos seguintes termos:
“Sociedade hipócrita!!!!!!!!” E, a seguir, cenas protagonizaas pela estrela em questão, em sua vultosa campanha de emagrecimento. Cena seguida pela pergunta dirigida à produção da TV Globo: “Produção… deixa ver se eu entendi!!! A Globo paga pra emagrecer um gordo RICO?” Abaixo, outra cena relativa à Campanha “Criança Esperança”: “E me pede dinheiro para dar esperança a uma criança???” E, ao final: “Não é precisa explicar eu só queria entender!!!!!” (http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20121117161231AAwGwWT)
“Sociedade hipócrita!!!!!!!!” E, a seguir, cenas protagonizaas pela estrela em questão, em sua vultosa campanha de emagrecimento. Cena seguida pela pergunta dirigida à produção da TV Globo: “Produção… deixa ver se eu entendi!!! A Globo paga pra emagrecer um gordo RICO?” Abaixo, outra cena relativa à Campanha “Criança Esperança”: “E me pede dinheiro para dar esperança a uma criança???” E, ao final: “Não é precisa explicar eu só queria entender!!!!!” (http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20121117161231AAwGwWT)
3. Crônica escrita pelo Senador Pedro Simon
Encontrada na internet com títulos às vezes distintos, também recebi do Prof. José Ramos, crônica escrita pelo Senador Pedro Simon, já há algum tempo atrás, mas guardando atualidade, conforme se pode ler também no endereço seguinte:
http://jps-sc.blogspot.com.br/2007/07/o-elevador-da-poltica.html
http://jps-sc.blogspot.com.br/2007/07/o-elevador-da-poltica.html
Nela encontramos uma bem tecida peça literária cujos fios procedem do chão do nosso atabalhoado cotidiano político-partidário. Aí se faz uma analogia do Congresso ao cotidiano de um elevador de um prédio – o edifício político. No oscilante elevador, e nas paradas em cada andar do prédio, sucedem-se ocorrências e ações dos mais diversos protagonistas do cenário político brasileiro.
Nela o autor joga bem e costura ardilosamente palavras geradoras: condomínio, condôminos, convenção, síndico, elevador, andares do prédio, térreo, andar de baixo, andares de cima, subsolo, fundo do poço, bloqueamento das portas do elevador, panes…
Retenho, em especial, sua perspectiva da necessidade de se mudar a convenção. Mas, aqui, surgem tantas dúvidas:
– A serviço de que(m) estão esses usuários do elevador ou, antes, esses inquilinos do prédio político?
– O fato de, aqui, ali, encontrarem-se algumas dessas pessoas (como exceção!) comprometidas com as multidões de representados, isto significa que o conjunto dos inquilinos fecha com os interesses da maioria dos representados?
– Por quem é feita a Convenção desse condomínio? Que chances efetivas tem quem não é usuário do elevador desse edifício político, de assegurar mudanças substantivas na/da dita Convenção?
– Em vez de seguir apostando no que já se sabe que não dá certo, não seria o caso de, de volta à população de base, investir na construção doutro instrumento de organização e de gestão, o que poderia desaguar em algo que não necessariamente um outro prédio?
João Pessoa, 18 de dezembro de 2012
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